Passeio possibilita experiência sensorial diferenciada e contato com espécies raras
“Uma experiência de outro mundo”. Esta é a sensação ao visitar grutas
e cavernas, na opinião da bióloga e espeleóloga Gisele Sessegolo. Ela é
membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e dedica sua
carreira à conservação de grutas e cavernas brasileiras.
No Brasil há cerca de 16.369 cavernas já catalogadas, de acordo com
dados do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas. Esse
número cresce a cada ano, devido à imensidão do território brasileiro.
No Paraná, por exemplo, no início do ano foram divulgadas dez novas
cavernas encontradas por pesquisadores do estado, situadas no município
de Ponta Grossa, na região chamada Escarpa Devoniana.
O mistério e a experiência que o visitante experimenta são diferentes
de qualquer outra área natural e foi isso que atraiu Gisele para a
espeleologia, que é o estudo de cavernas e grutas. “O ambiente é algo
que parece de outro planeta e cada local tem uma particularidade
própria. Por ser um ambiente mais isolado, os sons e a luminosidade
proporcionam uma experiência completamente nova e exclusiva”, descreve.
Espécies da fauna também são diferenciadas, e por vezes raras, pois
algumas populações ficaram isoladas ao longo de anos no universo
subterrâneo, se adaptando a esse ambiente.
Em Goiás, um dos cinco estados com maior concentração de cavernas no
Brasil, está o Parque Estadual de Terra Ronca. Ao entrar no complexo de
cavernas da cidade de São Domingo, o visitante tem a nítida impressão de
estar em um cenário de ficção científica, pois os rios que atravessam
as diversas cavernas da região fazem a terra estremecer e gerar barulhos
que deram o nome ao local. O Salão dos Namorados, repleto de colunas de
pedra e estalactites (formações rochosas em forma de cone que se
originam no teto de cavernas), é uma das principais atrações do parque.
Na região sul, uma caverna que se destaca pela beleza natural e pela
infraestrutura de visitação é a gruta do Botuverá, situada no vale do
Itajaí (SC). A caverna, conta com diversos salões intensamente
ornamentados com espeleotemas (do grego, "depósito de caverna". Nome de
formações rochosas que ocorrem no interior de cavernas), e situa-se em
meio a um remanescente de Mata Atlântica que permite também caminhadas.
Refúgios naturais, as cavernas também abrigam vestígios arqueológicos
deixados pelos nossos antepassados. Os destaques estão em Altamira, na
Espanha, chamada de a “capela Sistina da arte rupestre” pela imprensa
mundial. No Brasil, o Parque Nacional de Sete Cidades, no Piauí, é
considerado patrimônio cultural da humanidade pela Organização das
Nações Unidas (ONU), pois abriga a maior concentração de vestígios
pré-históricos já encontrados nas Américas.
Turismo e sustentabilidade
Por muito tempo, visitar cavernas e grutas significava desbravar o
local, quebrar a ponta das formações rochosas para levar de lembrança e
deixar o nome ou uma marca nas paredes dos gigantescos salões naturais.
Isso aconteceu de forma extrema tanto no Parque Estadual de Vila Velha,
em Ponta Grossa, no Paraná, como no Parque Estadual Turístico do Alto
Ribeira (Petar), em São Paulo, além de muitos outros lugares do País.
Nesses locais, os órgãos responsáveis decidiram realizar uma intervenção
com a proibição de acesso ao público. Apenas depois da implantação de
um plano de manejo apropriado é que esses espaços foram liberados
novamente para visitação.
De acordo com a bióloga Gisele Sessegolo, visitar cavernas é um
encontro único entre ciência e aventura, mas, se não for feito da
maneira correta, pode acarretar danos irreparáveis ao meio ambiente. “O
turismo de aventura deve ser sustentável e precisa ser bem avaliado e
desenvolvido, já que a apropriação mal planejada desses ambientes causa
impactos negativos e irremediáveis. Quando bem planejado, o passeio
proporciona desenvolvimento local, experiências únicas aos visitantes e
uma ligação muito mais forte com a natureza”, analisa.
A orientação, segundo ela, é que haja uma avaliação da capacidade
turística de uma caverna, em relação às possibilidades logísticas de
acesso com o menor impacto possível ao meio ambiente. “Se nessa conta o
saldo for positivo, então vale a pena liberar o acesso ao público, do
contrário, nós e o meio ambiente só temos a perder”, pondera. O
recomendado é que exista uma passarela de acesso para isolar o chão e
garantir a segurança dos visitantes, ao mesmo tempo que permite uma
experiência sensorial diferenciada.
A Gruta do Lago Azul, cartão postal da cidade de Bonito (MS), é um
ótimo exemplo que alia turismo e conservação. O passeio dura cerca de
duas horas e leva o visitante por uma trilha e uma escadaria que passam
por diversas formações rochosas até chegar ao lago, que tem mais de 87
metros de profundidade. A água cristalina encanta por seu tom azulado
que contrasta com as paredes da gruta. O passeio é seco, já que por
questões ambientais e de segurança não é permitido mergulhar. Por sua
fragilidade e beleza, a área foi transformada em unidade de conservação.
Desenvolvimento + conservação = turismo sustentável
A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2017 como o Ano
Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento. O objetivo é
promover o turismo nacional e internacional, bem como valorizar a
cultura e o patrimônio dos povos de todo o mundo. O Brasil tem destaque
nessa modalidade, pois oferece diversas opções de passeios que aliam
diversão e sustentabilidade.
De acordo com a Organização Mundial de Turismo (OMT), o turismo
sustentável é aquele que alia o desejo dos turistas de conhecer novos
espaços e ter experiências diferenciadas ao desenvolvimento local e
proteção do meio ambiente. Para a gerente de projetos ambientais da
Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de
Especialistas em Conservação da Natureza, Leide Takahashi, o turismo
sustentável ocorre em cadeia e é responsabilidade de todos: governo,
empresários e turistas. “Ao visitar um lugar, é preciso ter cuidado com o
impacto que pode ser gerado. Não se trata apenas de separar o lixo. É
preciso analisar seu comportamento e se adequar à cultura local”,
comenta.
Algumas dicas são: reduzir a produção de lixo e não deixar resíduos
nos locais visitados; não retirar nada do ambiente (a não ser fotos);
preferir produtos locais e valorizar o comércio da região para ajudar no
desenvolvimento e geração de empregos na região visitada. Estudar o
local e o roteiro também ajuda a economizar dinheiro e otimizar
recursos. Escolher hotéis ou pousadas próximos do local de interesse
pode eliminar a necessidade de um carro, por exemplo, o que reduz a
emissão de poluentes. Levar sacolas retornáveis na mala e poucas opções
de roupas, mas que combinem entre si, também são atitudes sustentáveis
que os turistas podem adotar.
Ou seja, não é preciso viajar somente para áreas naturais para
praticar o turismo sustentável, mas sim se atentar para pequenas
mudanças de atitude que podem ser feitas em qualquer lugar, desde uma
grande metrópole até uma caverna.
*Gisele Sessegolo e Leide Takahashi fazem parte da Rede de
Especialistas de Conservação da Natureza, uma reunião de profissionais,
de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à
proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de
estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da
natureza brasileira. A Rede foi constituída em 2014, por iniciativa da
Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.